terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Na areia branca existem piolas

- Para onde?
- Para a praia.


Amanhece no Centro Histórico. Decido ver esse sol terminar de nascer na praia. Tiro minhas plataformas douradas. Termino de soltar meu cabelo duro de laquê. Limpo o resto de maquiagem que ainda tenho no rosto. O cansaço e o delineador preto aumentam minha cara de cansaço, de velhice, de doença. Estou doente. Desço do táxi. Na praia só a galera “saúde”. Caminhando, correndo, se alongando, enfiados em cotons se exercitando de cinco da matina. Quando voltarem para casa vão tomar iogurte com fibras e ricota fresca, aposto que vão. Assim que eu vir mais esse dia amanhecer voltarei para minha casa e tomarei um café, vou comer um resto de arroz frio e dormir até as cinco da tarde. Sento na areia, um cheirinho de frio, de mar, de sal. O mar tem esse cheiro de manhã cedo, sal frio. Quanta saúde, quanta vitalidade, quanta coisa que eu não sou. Me senti subitamente deslocada, eu era uma mancha na areia branca da praia da “geração-saúde”. Fedendo a cigarro, a bebida, a perfume, a suor, a insônia. Quer saber? Deito na areia e ela cola no meu laquê poderoso. Tiro um cigarro e fico esperando a merda do amanhecer terminar. Quando o apago na areia fico com remorso. A praia parece tão pura esta manhã! Desencavo o toco de cigarro, mas percebo que não é a marca do meu cigarro, era outro toco enfiado na areia. Percebo as garrafas, os saquinhos de pipoca, as tampinhas, os cocos, as camisinhas. Olho para a galera da malhação na calçadinha, era como se eu soubesse um segredo deles. Volto a me deitar na areia, me sentindo em casa, e apago todos os meus tocos de cigarro na areia. A praia está suja. Eu também.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não sei porque mais lembrei da Amy Winehouse.
Srta Alcantara, sou sua fã!!!
Adoro seus textos...

Beijos.

Anônimo disse...

Amara, existe modo de ler este texto e não aplaudir? Muito bem escrito, e o final surpreendente dá um toque inesperado de ironia. Sensacional!

Beijos!