segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Eu queria dias de sol, mas veio a chuva e eu gostei

- Isso é chuva?

- Não, é o vento nos coqueiros.

- Ainda bem, já imaginou se fosse chuva? Como eu ia voltar para casa?

- Ah, você ficava por aqui mesmo... Até a chuva passar...

- Eu poderia?

- Claro!Você sabe que poderia ficar.

- Pena.

- Por quê?

- Queria que estivesse chovendo.


E então choveu a tarde toda, lavando certezas.
E então eu já não sabia se era chuva ou só o vento dos coqueiros.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Eu sou meu próprio Zidler

Amanheceu, meus olhos estavam inchados, mas eu não me importei. Tomei banho, me maquiei, me perfumei, me vesti. Usei meu batom mais vermelho.
- The show must go on.
Sorri para a minha imagem cansada no espelho. Não chorei por você, chorava por mim e mais uma constatação da minha vida. A mesma coisa, sempre a mesma resposta, chorei por causa da rotina. Senti como se eu jamais fosse um destino, um porto. Eles vêm, sugam minha alegria, meu calor, usam meu corpo e partem. Partem procurando seu destino. Sou uma passagem. Deixam-me para trás, eu que me reconstrua sozinha. Não tenha mais tristeza para dizer isso. Só resignação. Talvez eu não tenha sido feita para ser amada. Talvez eu tivesse que ser feliz assim, refazendo os corações dos pobres amantes e deixando-os partir.
- The show must go on.
Então vou me pintando, sorrindo, vendo mais um dia chegando. Mais um dia. Minha maquiagem pode estar borrada, mas meu sorriso ainda é o mesmo. Não era assim? Me olho pela última vez no espelho. Estou cansada, mas esse novo dia é uma nova promessa. Novas promessas não cumpridas. Novas pessoas que tentarão me iludir. Triste constatação, amantes presos na idéia fixa de romance, mesmo onde não há. Hollywood fez um grande estrago nessas cabecinhas jovens. Não me dou tempo para sofrer, refaço egos e reconstruo ilusões. Por que não poderia fazer isso a mim mesma? Eu sei que sou boa nisso.
- The show must go on.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Sempre terei Solânea

Descobri que a menina que eu fui um dia ainda vive. E quem sabe viverá eternamente. Agora você pode se perguntar: onde? Em qual dimensão este fato milagroso ocorre? Terei muito prazer em dizer: “Não se trata de outra dimensão, isto ocorre em Solânea, cidade de meus avós e onde minha mãe cresceu.”Lá eu me transformo na menina que nunca morreu. Na menina que lá passava as férias, que mexia nas agulhas do avô (que é alfaiate) tentando costurar (o que não sabe fazer até hoje!), que fazia de um quintal um reino, que sempre encontrava florestas encantadas em simples plantações de milho, que era o que queria ser sem se preocupar com nada. Só agora vejo o que meus olhos adultos não enxergavam. Aquela menina ainda estava lá, esperando a mulher que se tornaria, para ajudá-la a lembrar-se que a vida nunca é aquilo que pensamos, pois as mudanças ocorrem sempre. Lembra dos sonhos esquecidos, dos medos, superados ou não, de tudo o que foi tão bonito, tão simples. Palavras não descreveriam o que senti quando a vi pela primeira vez.Ela estava costurando na máquina do avô, costurando mais os dedos do que o pano, mas achava que quando crescesse costuraria um vestido de princesa. Alinhavado com ouro e prata, como o da moça da história da Moura-Torta.Também revi com os olhos dela o meu avô. Meu avô mágico, bravo, com tantas aventuras pelo “mundão afora”, e todo o sentimento de orgulho voltou. Acrescentou-se o orgulho dos bisavôs revolucionários que morreram pelo que acreditavam.Vi a minha menina e acreditei que eu poderia fazer melhor, não por mim, mas por ela, que onde quer que esteja está esperando o dia que conseguirá costurar seu vestido de ouro e prata.


(Texto antigo, na época eu tinha 17, o que me faz pensar: SOU UMA VELHA!)