segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O bosque das mangueiras

Quando eu era menina e ainda estudava numa escola do bairro eu costumava passar todos os dias no “Bosque das Mangueiras”. Bem, não era exatamente um bosque e nem tinha apenas mangueiras, mas o nome me parecia tão bonito que eu o chamava assim. Na verdade o “bosque” eram apenas duas quadras baldias com algumas poucas árvores, umas vinte, para se ter idéia. Para passar pelo “bosque” tinha de ser feito um trajeto mais longo, e eu o fazia todos os dias. Perto dali existia um casa que colecionava primaveras e elas eram tão grandes que passavam pelo muro e davam para a rua, na ida para a escola eu as levava para a professora, a “tia”, na volta eu as trazia para minha mãe. Lembro-me que quando chovia, mangas verdes caíam e eu as transformava em bois, cachorros, gatos, pessoas, enfim tudo que eu pudesse inventar com manguinhas e palitos de fósforo. Hoje já não tem mais mangueiras nem flores pelo caminho, no lugar construíram duas igrejas evangélicas e uma escola pública. Ainda tento sentir o cheirinho de barro molhado e as muitas frutinhas derrubadas pela chuva do dia anterior, mas, como era de se esperar, não sinto nada. Só lamento que tenham acabado com o meu local sagrado, onde até hoje eu tento reencontrar a menina que catava flores e mangas e era mais feliz que a mulher de agora.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

- Esta foto está engraçada.
- Por quê?
- Você está parecendo uma menininha.



E não havia nada mais que uma pessoa pudesse descobrir ao meu respeito. Ali estava toda a verdade.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Light my candle

- E então? Vamos sair esse final de semana?
- Não sei, estou meio triste. Deprê. Que emo! Há há.
- Não tem problema – meu coração dispara - você quer vir para cá? Eu cuido de você.


Então tá. Vamos à lista:
Casa. Ok.
Vinho. Ok.
Chocolate. Ok.
Lasanha. Ok.
Velas. Velas?
Sério que eu vou ascender velas na casa? Gente, é mais sério que eu pensava. Estou ficando ridícula! Brega! Cafona! Previsível! Bem, vamos lá, sem velas. Muito óbvio. Pensando bem: vamos analisar a frase: “Eu cuido de você”. Isso por si só já é muito óbvio. Esquece tudo isso. Nunca ia dar certo. Vou ligar, dizer que... que... adoeci! Enxaqueca. Não, é melhor doença contagiosa. Catapora! Mas eu já tive catapora e todo mundo sabe da história do dia que eu fiquei roxa de tanto remédio. Então é melhor eu ser bem sincera e dizer que não estou a fim de me envolver, sabe, não gosto de me envolver com as pessoas pelas quais estou apaixonada. Então vou me envolver com quem? Maldita hora! Hora? Quase nove horas! Já tomei banho, passei perfume, um batonzinho para não deixar marcas. Marcas? Quais marcas? Vamos tomar um vinho, conversar, estou aqui para curar uma depressãozinha, não para deixar marcas. Ok, vamos analisar a seguinte situação: uma pessoa convida outra pessoa para tomar um vinho na sua casa deserta, com chocolate e lasanha, e se quiser, pode passar a noite. Alguém realmente acredita que vai ser só isso? Não. Ou talvez sim. Eu não me lembro de ter especificado nada, ou de ter recebido alguma especificação. E especificamente: o que a gente teve até agora? Uns olhares, umas fotos trocadas, uns elogios. E acabou-se. E um convite e uma troca de telefone e só. E uns momentos de proximidade
- Teu cabelo tá caindo no seu olho. – passa a mão na minha testa
- Que postura linda que você tem! – passa a mão nas minhas costas
- Isso é um sinal de nascença? – passa a mão no meu pescoço. Neste momento eu queria ter o corpo todo cheio de marcas de nascença, só para saber se seria acariciada em cada uma delas.
Nove e dez. E nada. É isso. Tanta besteira, tanta coisa, tanta vela e acabou que nada aconteceu. É uma pena, lasanha tava até boa. Vou ao meu quarto e desencavo uma carteira de cigarros guardada para esses momentos. Tem explicação: são em momentos assim que eu tenho vontade de morrer, sou covarde e não consigo me matar, então me mato aos pouquinhos. Acendo uma vela para me poupar o trabalho de ficar riscando fósforos. Acabo acendendo todas as velas que comprei. Poxa, ficou até bonito o resultado final. Agora só serei eu, minhas lindas velas e duas garrafas de vinho. Amanhã serei eu e minha ressaca. Sorrio triste. Não vou chorar.
Campainha. Campainha? Escondo novamente a carteira de cigarros. Seco uma lágrima teimosa do canto do olho. Corro para a porta.
- Desculpa o atraso?
- Desculpo. Entra.
- Nossa, que lindas essa velas. Seus olhos estão brilhando...
- Impressão sua.